Como ensinar seu cérebro a aprender

 

Somos muito interessados em entender como aprendemos e estamos sempre em busca de mais informação sobre o assunto para nossos alunos. Dessa vez buscamos a opinião de um especialista em psicologia cognitiva, meu grande amigo dos tempos de graduação, André Luiz de Souza. O professor André Luiz recentemente teve sua história contada pelo portal Uol, pelo Globo Repórter e por outros grandes sites brasileiros em razão das peculiaridades de sua formação. Cria da UFMG, Dr. André foi Professor Assistente do Departmento of Psichologia da University of Alabama (USA), trabalhou no Google, é autor do blog Cognando e integrante do site Jovem Nerd e atualmente trabalha no Facebook, em Singapura num projeto relacionado a Elections Reliability.

 

Mákina de Ideias: Professor, inicialmente gostaríamos de saber mais sobre sua área de estudo e o que ela tem a ver com aprendizagem de língua?

Dr. André: Minha área de pesquisa é Psicologia Cognitiva. Psicologia Cognitiva é a ciência que estuda a mente humana e sua relação com o comportamento. A linguagem humana é, por definição, um artefato social possibilitado pelo nosso aparato cognitivo. A maneira como aprendemos uma língua, produzimos sentindo e processamos o que ouvimos está diretamente ligado à maneira que a nossa mente e nosso cérebro funcionam. Ciência cognitiva e linguagem são áreas intimamente ligadas uma à outra.

 

Mákina de Ideias: Mas como o cérebro “aprende” uma língua?

Dr. André: Essa é uma pergunta complexa. A linguagem é composta de vários aspectos distintos (sons, palavras, ordem de palavras, textos etc.). Cada um desses aspectos é “aprendido” pelo nosso cérebro de maneira peculiar. Por exemplo, os sons da língua são geralmente processados em uma área do cérebro conhecida como área de Wernick (que fica na parte superior do lobo temporal do nosso cérebro — na região um pouco acima da orelha). Essa região tem um papel importante na maneira como nós categorizamos os sons da nossa língua. O significado das palavras é aprendido de maneira mais complexa, através de associações que fazemos utilizando várias áreas do cérebro (córtex visual, área límbica — que controla as emoções etc.). De maneira bem geral, aprendemos uma língua por que somos capazes de fazer associações e montar padrões com base nos sons que ouvimos o tempo inteiro.

 

Mákina de Ideias: Dr. André, por que algumas pessoas têm mais facilidade para aprender línguas do que outras?

Dr. André: Aprender uma língua requer o uso de várias habilidades cognitivas gerais: memória, percepção de padrões, retreinamento do córtex motor etc. Todas as habilidades não são necessariamente próprias da linguagem, mas sim da maneira como navegamos no mundo que nos cerca. Assim, se uma pessoa tem uma dificuldade maior de perceber que duas coisas semelhantes fazem parte de uma mesma categoria (em outras palavras, se uma pessoa tem uma certa dificuldade em generalizar e categorizar as coisas que vê à sua volta), ela certamente apresentará essa mesma dificuldade no aprendizado de uma língua estrangeira. Por exemplo, uma pessoa atenta a padrões, vai perceber que certos verbos irregulares do inglês têm uma forma parecida (keep/kept, sweep/swept, sleep/slept). Esse tipo de percepção facilita e muito no aprendizado de novos verbos irregulares. Uma pessoa sem esse tipo de percepção teria que fazer uso da memória para aprender esses tipos de verbos. Em geral, a facilidade de algumas pessoas para aprender uma língua estrangeira é reflexo de um sistema cognitivo diferenciado.

 

Mákina de Ideias: Como alunos, esquecemos algumas coisas que acabamos de aprender. Tem alguma explicação pra isso?

Dr. André: Nossa memória precisa armazenar bem as informações para ficar mais fácil utilizá-las mais tarde. As vezes que esquecemos algo que acabamos de aprender, explica-se pelo fato de não termos armazenado de maneira “correta”. Vamos pensar em uma analogia para explicar isso: Imagina que você trabalha em uma biblioteca e seu papel é guardar e pegar os livros para os usuários da biblioteca. Aí um usuário te entrega um livro A para você guardar na estante e você o guarda sem muita precisão (sem saber bem em que prateleira, em que seção e perto de quais outros livros). Se quinze dias depois um outro usuário precisar do mesmo livro, você terá uma dificuldade maior de encontrá-lo já que não há nenhuma referência de onde você o deixou da última vez. Nossa memória funciona assim também. Se quando estamos aprendendo alguma coisa, a gente não cria uma maneira sistemática de armazenar essa informação, quando precisarmos dela novamente, não vamos encontrá-la. Isso ocorre muito hoje em dia com acesso que temos à tecnologia o tempo inteiro. Às vezes quando estamos na sala de aula “aprendendo” alguma coisa, ficamos checando o celular, respondendo e-mails, mandando mensagens no WhatsApp etc. O nosso cérebro não sabe como fazer duas coisas ao mesmo tempo. Assim, enquanto estamos checando o celular, estamos deixando de “sistematizar” como vamos guardar a informação que estamos aprendendo naquele momento. Assim, a probabilidade de esquecer é muito grande.

 

Mákina de Ideias: E, professor, é possível esquecer uma segunda língua completamente?

Dr. André: Caso a pessoa tenha aprendido a segunda língua muito nova e depois passado muito tempo sem praticar, é possível sim esquecer muita coisa. Completamente é impossível, mas certamente aspectos fundamentais de uma segunda língua podem sim ser esquecidos caso não haja nenhum uso sistemático desse aspecto.

 

Mákina de Ideias: Por que é difícil reproduzir o que ouvimos com a exatidão necessária enquanto falamos?

Dr. André: Não sei se entendi bem a pergunta, mas se estiver falando de repetir algo que escutamos “palavra por palavra”, isso acontece porque processamos a linguagem de uma maneira muito global e não serial. Quando escutamos uma frase, a gente processa o significado global dela (e não o significado de cada palavra isolada de maneira serial). Assim, quando precisamos reproduzir algo, tentamos reproduzir o significado utilizando o conhecimento linguístico que temos (e não o conhecimento linguístico da pessoa que falou a frase originalmente).

 

Mákina de Ideias: Você acredita que o método da repetição em sala pode ajudar na aprendizagem de uma segunda língua?

Dr. André: Repetição é uma técnica de memorização eficaz. Ela pode sim ajudar na sala de aula, mas para alguns aspectos e outros não. Por exemplo, utilizar repetição para treinar pronúncia é uma ótima técnica, pois acostuma o seu sistema cognitivo e o seu sistema motor a criar rotinas físicas (ou seja, como mexer a boca para produzir esse som). Para aspectos gramaticais e semânticos, a repetição tem menos impacto, já que envolve conexões e associações que não estão necessariamente ligadas à criação de rotinas cognitivas.

 

Mákina de Ideias: Qual a relevância da imersão para a aprendizagem de uma língua estrangeira?

Dr. André: Significados surgem no uso. Armazenamos melhor o significado de palavras e expressões quando aprendemos o uso das palavras e expressões. Assim, a imersão serve para evidenciar o uso dessas palavras e expressões. Esse contexto é utilizado pelo nosso cérebro para “guardar” a informação que será utilizada no futuro.

 

Mákina de Ideias: Existem “técnicas” que melhoram a aprendizagem de língua estrangeira?

Dr. André: Cada aspecto da linguagem vai requerer um conjunto de técnicas específicas. E mais ainda: não existe uma técnica que seja eficiente para todos de maneira igual. Para algumas pessoas, o uso de músicas auxilia na pronúncia das palavras. Para outras pessoas, filmes já são melhores instrumentos para o mesmo efeito. No entanto, de uma maneira geral, fazer uso real da língua é algo que ajuda bastante na maioria dos contextos de aprendizado de segunda língua.

 

Mákina de Ideias: Quais as implicações de aprender uma segunda língua  na aprendizagem de outras línguas?

Dr. André: Quanto mais esporte praticamos, mais “saudável” o nosso corpo vai ficar e menos impacto ele vai ter caso eu decida praticar mais um outro esporte. Aprender uma língua é parecido. Quanto mais línguas aprendemos, mais treinamos o nosso cérebro a perceber padrões linguísticos e quanto mais fazemos isso, mais bem treinados vamos ficar a perceber esses padrões de forma que faremos isso de uma maneira muito mais automática.

 

Mákina de Ideias: Como a ciência tem contribuído para melhorar a qualidade da aprendizagem?

Dr. André: Estamos cada vez mais entendendo como o nosso cérebro funciona e como podemos facilitar o aprendizado em pessoas com estilos cognitivos diferentes. Antigamente, as pessoas achavam que existia UMA metodologia apenas que facilitava o aprendizado. No entanto, sabemos hoje que pessoas têm estilos cognitivos diferentes, logo precisam de técnicas diferentes. Com isso, conseguimos otimizar o aprendizado para um maior número de pessoas.

 

Mákina de Ideias: Você recomenda algum “método” ou estratégia para aprender uma língua estrangeira?

Dr. André: Acho que a minha resposta anterior não me possibilita fazer isso. (risadas)

 

Mákina de Ideias: Uma última pergunta, há como ser um aprendiz melhor de uma língua estrangeira?

Dr. André: Seja um ser humano mais curioso e treine o seu cérebro em aspectos que não estão necessariamente ligados ao aprendizado de uma língua estrangeira.

 

Entrevista concedida a Flávio Martins, via e-mail.

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