Por que aprender inglês parece ser tão difícil: Crenças e crendices

Por Flávio Martins da Silva, Rodrigo Pelegrini Honorato e Vânia Carvalho de Castro

Aprender uma língua estrangeira é o objetivo de várias pessoas em diversas partes do mundo. As principais motivações para aprender uma nova língua estão relacionadas a viagens, trabalho e à educação. Os desejos ocupam um papel central em nossas relações com o mundo e com as pessoas. Assim, o ato de aprender uma língua é um desejo talvez mais acessível que outros, como a compra de um carro, uma casa ou uma viagem. Entretanto, por vezes, os desejos ficam distantes de serem realizados porque, na maior parte do tempo, não sabemos quais os procedimentos ideais para realizá-los ou quais os passos para alcançá-los.

Aprender uma língua estrangeira é um objeto de desejo ao alcance da maior parte das pessoas, entretanto, tal anseio não se concretiza porque o almejamos da mesma maneira que desejamos um item que pode ser adquirido em um shopping center. O conhecimento humano alcançou níveis inimagináveis com o passar das últimas décadas, especialmente com os novos adventos tecnológicos. Similarmente, a quantidade de pessoas que puderam, com isso, aprender uma nova língua aumentou exponencialmente. Um fator que deve ser levado em conta por quem deseja aprender uma nova língua está relacionado ao nível de proficiência que a pessoa espera ter. Sabemos que há vários objetivos que podem ser alcançados com a língua estrangeira e alguns podem ser mais palpáveis com menos tempo de estudo ou mesmo com uma proficiência menor.

Aprender uma língua estrangeira passa por questões pessoais e de caráter subjetivo, por exemplo a adoção e a identificação com uma variável linguística, o gosto pessoal e as preferências relacionadas à maneira de estudar tal idioma.

Tradicionalmente o aprendiz de língua estrangeira tende a tentar aprender através de técnicas e estratégias muito similares às que usou para aprender outros conteúdos, como por exemplo, fórmulas, rituais de memorização, anotações e exercícios repetitivos. Vale ressaltar que na relação ensino-aprendizagem de uma língua há uma infinidade de técnicas e metodologias baseadas em pesquisas científicas que trouxeram maneiras diferentes de aprender e de ensinar. É senso comum pensar que os métodos que funcionaram para uma pessoa trarão o mesmo êxito à outra, ou seja, que a forma que um amigo aprendeu vai dar certo para outro e podemos destacar a questão do tempo de aprendizado. Uma das perguntas mais comuns dos que almejam aprender inglês é: ”Em quanto tempo vou ficar fluente?”. Porém, geralmente esquecem de se perguntar: “Quanto tempo tenho para me dedicar ao inglês?”

Não é possível determinar um tempo ou um método padrão pois cada indivíduo tem uma vivência diferente, seu próprio conjunto de conhecimentos, o que interfere na maneira como apreendemos o mundo. Nos processos de aprendizagem, geralmente, o fator conhecimento prévio que as pessoas têm sobre o assunto colabora diretamente para a eficácia e eficiência dessa ação. Aprendizes de inglês, por exemplo, tem mais facilidade com a língua quando conseguem relacionar os conteúdos com o que já vivenciaram em filmes, livros, videogames e outras mídias ao que estão estudando. Um outro aspecto que contribui para entender melhor como aprendemos é a teoria das inteligências múltiplas de Howard Gardner.

Neste estudo, Gardner explica que há vários tipos de inteligência e que esses estariam associados às maneiras como vivenciamos nossas experiências, principalmente no modo como aprendemos. Um aluno com a inteligência cenestésica bem desenvolvida, por exemplo, tende a aprender mais e melhor, com professores que proporcionem um modelo de ensino associado aos movimentos do corpo. Outro aluno que seja mais visual tende a aprender mais e melhor em aulas expositivas com vídeos, imagens ou visitação a ambientes relacionados ao conteúdo.

 

 

Criança aprende inglês mais facilmente?

 

É sabido que crianças aprendem línguas de maneira muito mais rápida que adultos. Algumas pessoas atribuem este fato a uma possível janela biológica, favorável aos mais jovens e que essa janela se fecharia com o passar do tempo. Na verdade, o que ocorre é que a criança consegue “desligar” cognitivamente uma língua para aprender outra, ou fazer uso de recursos de uma para aprender a outra. Em outras palavras, ao aprender uma segunda língua, a criança teria mais facilidade por ter menos preconceitos, menos medo de arriscar e o adulto teria, contra si, uma competição entre dois sistemas linguísticos avançados onde um, sua língua materna, sempre traz respostas mais rápidas e consistentes e há, involuntariamente, uma tentativa de comparação e adequação do sistema da língua materna com o sistema da língua estrangeira, o que leva  à traduções literais, que geralmente não fazem sentido, porque os sistemas não são similares. Uma analogia possível é do basquete e o futebol, em um pode-se pegar a bola com as mãos, já no outro deve-se usar os pés. Assim, embora ambas sejam línguas, nem sempre é possível estabelecer uma relação direta entre inglês e português, já que são sistemas linguísticos diferentes.  Além disso, a longo prazo, no processo de aprender, o aprendiz adulto tende a optar pela tradução e não pela compreensão, relacionando uma língua à outra, o que dificulta muito o processo de aprendizagem de uma segunda língua.

 

Para aprender inglês, tem que morar fora?

 

É bastante comum estudantes fazerem intercâmbios internacionais para aprender uma língua mais rapidamente. Comprovadamente isso traz benefícios ao aprendiz não pelo fato de as escolas e cursos estrangeiros serem melhores, mas porque a imersão completa no ambiente pode fazer com que o aluno obtenha resultados mais satisfatórios. Ademais, o aprendiz estaria inserido em um contexto de sobrevivência com a língua estrangeira, onde o empenho na comunicação na língua alvo é essencial. Nesse contexto, o medo do erro e o medo do julgamento alheio perde espaço para a necessidade. Mas essa regra também tem suas exceções.

Estudos realizados por Jared Linck, Judith Kroll, do Departamento de Psicologia da Universidade do Estado da Pensilvânia — e Gretchen Sunderman — do Departamento de Línguas Modernas da Universidade do Estado da Flórida, nos Estados Unidos demonstram que aprendizes em programas de imersão e em outros ambientes de aprendizagem podem ter resultados diferentes na proficiência no idioma desejado.

Resumidamente, a pesquisa demonstra que o segredo do programa de imersão na aquisição de uma língua estrangeira não está na exposição à essa língua, e sim no impacto que essa exposição tem para inibir o uso da sua língua materna. É bastante comum brasileiros participarem de programas de intercâmbio em países falantes de língua inglesa e, durante o período de vivência no país, interagirem a maior parte do tempo com outros brasileiros, deixando de lado a vivência com a língua e a cultura local. Isso ocorre por diferentes motivos, dentre eles o conforto de se comunicar preferencialmente na língua materna. Obviamente isso fará com que tais pessoas tenham um nível de proficiência linguística inferior ao das pessoas que se esforçaram para a interação na língua que queriam aprender – nesse caso a língua inglesa.

Entretanto é possível aprender uma língua estrangeira com proficiência alta sem sair do país. As razões que podem determinar a proficiência linguística, que é a qualidade de percepção, compreensão e produção em uma determinada língua, estão relacionadas a fatores como motivação, envolvimento, esforço, afetividade e resiliência, conforme exemplificado anteriormente. Há que se considerar que a maioria das pessoas não aprende plenamente uma língua por razões pessoais e não necessariamente pelo fato da aprendizagem, em si, ser difícil.

 

Todo mundo tem condições de aprender inglês?

 

Para responder essa pergunta vale refazê-la para outras áreas do conhecimento: todo mundo tem condições de aprender álgebra, física, biologia? Em tese, todos temos condições cognitivas de aprender qualquer conteúdo ou qualquer coisa. O que rechaça essa possibilidade são as prioridades que damos às coisas em nosso dia a dia e os métodos que usamos para buscar o conhecimento. Outro fator que determina se aprenderemos é o nosso comprometimento com o objetivo proposto.

Uma pessoa que frequenta aulas de matemática regularmente tende a ter mais habilidade com tal conteúdo, mas uma pessoa que frequenta aulas e diariamente exercite as habilidades aprendidas terá um desempenho muito mais satisfatório porque expandiu sua área de prática de aprendizagem. Quem é mais exposto ou quem é mais envolvido com um determinado assunto, está propício a ter melhores resultados. Uma língua é um sistema complexo de relações semânticas e cognitivas que não pode ser aprendido apenas com a exposição e prática por apenas duas horas semanais.

Há, entretanto, a importância de se considerar os diferentes níveis de proficiência dentro da aprendizagem de uma língua. Há pessoas que precisam aprender apenas para ler manuais, outras apenas para seguir instruções, há ainda pessoas que precisam aprender para se comunicarem fluentemente nos vários espaços de uso de uma língua e que, para isso, precisam dominar aspectos muito mais complexos de uso do idioma.

 

Afetividade x Efetividade

 

Partindo do pressuposto que todos os seres humanos já nascem com a predisposição e a capacidade inata de aprender línguas, salvo em casos de patologias, afirmamos que os brasileiros, assim como quaisquer outros povos, aprendem inglês. No entanto, essa pergunta inicial perpassa uma série de barreiras enfrentadas pelos estudantes brasileiros e os sistemas educacionais nos quais eles estão inseridos. Para esclarecer, é preciso explicar algumas abordagens que os pais geralmente têm ao sondar o aprendizado de seus filhos.

Nessa relação há abordagens como: “Posso ver seu caderno?”, “Deixa eu ver se você está aprendendo mesmo”, “Já que está estudando inglês, o que significa isso?”, “Você vai ser o intérprete da família, porque está estudando inglês há muito tempo” dentre outras formas de checar aprendizagem. Essas abordagens, porém, pressionam a criança ao ponto de poder criar um “bloqueio”, fazendo com que ela fique retraída e não evolua mais na aprendizagem da língua.

O Domínio Afetivo, trazido a público pelo psicólogo da educação David Krathwohl, o qual leva em consideração os sentimentos e as emoções do aprendiz, é de grande importância para o aprendizado de línguas. Mas será que os professores estão interessados em saber o que causa sensações positivas em seus alunos? Será que os alunos estão dispostos a se aproximarem de seus professores para que haja uma sintonia dos objetivos? Atualmente nas escolas verifica-se uma preocupação exacerbada com a parte estrutural da língua inglesa (gramática normativa) em detrimento do desenvolvimento da capacidade de comunicação nessa língua.

Conforme assertado anteriormente, toda e qualquer pessoa tem a capacidade de aprender língua inglesa ou quaisquer outras línguas que desejar. Alguns aprenderão mais rápido que os outros, já outros serão mais fluentes. Alguns aspectos cruciais para um aprendizado efetivo da língua inglesa são tempo de exposição a língua, resiliência, variedade de atividades com a língua, mas, principalmente, a questão afetiva. Você gosta de aprender inglês? Aprende usando o que gosta? Isso faz algum sentido na sua vida pessoal? Você consegue fazer coisas que gosta usando o que tem aprendido em inglês? O professor fala sobre temas que te atraem? Você tem espaço para apresentar o que você faz, gosta, estuda? Se sim, você certamente aumentará suas chances de aprender inglês de forma efetiva e significativa. Caso contrário, aprender inglês será apenas mais uma atividade “chata” e “obrigatória”.

Infelizmente, percebe-se que a grande maioria dos estudantes de língua inglesa no Brasil somente estudam por exigências externas como o chefe, a família ou a necessidade de ser aprovado em um teste. Raramente, alguém diz estudar por amor à língua, por influência de um professor ou ainda porque seria uma realização pessoal de grande valor. Sendo esses motivos externos aos desejos do estudante, há, assim, uma combinação perigosa que leva o estudante ao fracasso: falta de motivação, procrastinação e não identificação com o real objetivo da ação.

Contudo, há alunos que reagem de forma afetiva com a língua quando percebem o prazer e a vontade do professor em ensinar, ou quando percebem a real utilidade do que estão aprendendo. Esse fator, chamado mirrorring, significa espelhar-se no outro, e acontece como uma via de mão dupla, onde o esforço e interesse de um, reflete no do outro. Isso contribui positivamente para a relação ensino-aprendizagem e ambos, professor e aluno saem ganhando.

 

 

 

Gramática x Língua

 

Um grupo de alunos foi perguntado a respeito de sua qualidade linguística com a língua materna, o português, ao que todos responderam não serem bons. Em seguida os alunos foram perguntados se gostariam de ter em inglês o mesmo nível linguístico que tinham em português. Prontamente a resposta do grupo foi positiva.
Assim, percebe-se que os parâmetros de julgamento da qualidade linguística da língua materna são diferentes da língua estrangeira. É paradoxal uma pessoa se julgar incompetente na língua materna e simultaneamente desejar o mesmo nível na língua estrangeira.

Todavia, o que acontece, é que, erroneamente, confunde-se gramática normativa – aquela que prescreve as regras e normas gramaticais de uma língua – com a língua em si. Como não ser bom em uma língua se sabemos usá-la em toda e qualquer situação, se ouvimos e processamos qualquer informação, sabemos perguntar, criamos vocábulos e gírias, interagimos com qualquer falante de língua portuguesa de qualquer idade, ouvimos músicas, percebemos ambiguidades, conhecemos expressões idiomáticas, percebemos sotaques, descobrimos significados em contextos diversificados, etc? Mesmo sabendo isso tudo, o fato de não dominarmos a gramática normativa da língua, faz com que a maioria das pessoas, pensem que não são boas em português.

Talvez já saibamos o inglês necessário para comunicarmos com outro falante de forma clara e efetiva, mas, devido por não sabermos a gramática normativa, nos sentimos inseguros para nos expormos em inglês. Lembre-se: língua é muito mais que um conjunto de regras prescritas em um livro.

 

 

Brasileiro pode ser fluente em inglês?

 

Embora haja no Brasil uma grande quantidade de escolas e, consequentemente, de pessoas estudando inglês, pode-se dizer que o nível de proficiência é baixo. Isso se explica porque muitos brasileiros estudam a língua de maneira tradicional, baseando-se nos aspectos gramaticais da língua, além de não se dedicarem ao estudo fora da sala de aula. Então, quando são colocados em situações reais, em que precisam usar a língua para comunicação e interação, não tem desempenho satisfatório. Para além disso, muitas escolas medem a proficiência do aluno através de testes que não aferem o nível linguístico de maneira holística, mas apenas alguns aspectos como leitura e escrita. Aqui, vale ressaltar que ser fluente e proficiente em inglês tem a ver com ter destreza nas habilidades de fala, escuta, escrita e leitura da língua.

Neste ponto destaca-se as características da pessoa que aprende uma segunda língua, o que generalizadamente é chamado de bilíngue. Há dois tipos de falantes bilíngues conhecidos: o simultâneo e o sequencial. Onde o bilíngue simultâneo é a pessoa exposta a duas línguas desde o nascimento. Essas pessoas tendem a aprender as duas línguas com nível de proficiência bem próximas da de um nativo. O falante bilíngue sequencial é aquela pessoa que aprende a segunda língua após já ter aprendido sua língua materna. Isso faz dos brasileiros fluentes em inglês, bilíngues sequenciais.

Um fator muito válido na aprendizagem da segunda língua é o uso de recursos como o uso de palavras cognatas e conexões mentais entre conteúdos similares para criar novas conexões que favorecem a apreensão e a compreensão do conteúdo. O aprendiz que consegue relacionar palavras em inglês que estão presentes em seu cotidiano com novos conteúdos, tende a alcançar fluência mais rapidamente que o aprendiz que se prende a tradução sistemática de itens isolados.

 

Considerações finais

 

A aprendizagem da língua inglesa, como de qualquer outra coisa passa pelo envolvimento, personalização e também pelo uso que os alunos e professores fazem das crenças que tem a respeito do assunto. O que fica como resultado da análise proposta neste texto é que não se aprende inglês apenas em sala de aula, ou apenas morando em um país falante de língua inglesa, não existe um método infalível e não há um método ideal que funcione para todos.

Conheça-se como estudante e descubra os modos como você aprende melhor. Esse será o método mais eficiente. Se você aprende mais com música, ouça as músicas que gosta, se aprende mais com filmes e séries, assista aos que mais lhe agradam. Quanto mais conectado com o lado emocional, com o que gosta de fazer, maior será seu envolvimento e assim, mais eficaz será a internalização do que quer aprender, e se for inglês, não será diferente.

 

Bibliografia

 

Frames of Mind, Howard Gardner

Dominio Afetivo, David Krathwohl

Jared Linck , Judith Kroll, Gretchen Sunderman

Métodos e abordagens do ensino de lingua estrangeira

 

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